26/09/2015

Quanto a família regressa à terra...(parte 1 de 5)


Maria Augusta esvoaçava rua acima como uma borboleta negra… A bem dizer, naquela manhã de inverno, parecia-se mais com uma traça velha e atarantada, acabada de esbarrar numa lâmpada. E não era o peso da idade que lhe estava a retirar a graça que sempre tivera a caminhar, mas sim o peso da preocupação.
Ficara viúva há quatro meses e desde então os acontecimentos tinham sucedido em catadupa. A morte do marido, aos oitenta anos, fora uma bênção de Deus. Depois de uma década a cuidar dele (e sem uma única palavra de agradecimento, pois o pobre perdera completamente a fala), Maria Augusta vira finalmente atendidas as suas preces, chegando mesmo a acreditar que poderia agora gozar de algum descanso.
Já não ia para nova, setenta e nove anos pesavam! Mas com o dinheiro que tinha poupado, cuidando ela própria do marido, aproveitaria melhor os anos que lhe restavam. Começou a imaginar-se nas excursões em que vendem colchões ortopédicos e poltronas de luxo, e nos almoços de convívio patrocinados pela Câmara Municipal. Ir para aqui e para acolá sem ter que dar satisfações a ninguém… ir ao Alqueva!
Tudo isto pensara a pobre Maria Augusta e em apenas cinco minutos, duração de um telefonema, todos os seus sonhos se transformaram em nada.
O seu filho telefonara-lhe, três meses depois da morte do pai, para dizer que fechara o restaurante. No início ainda pensou que ele ia pedir-lhe dinheiro para abrir outro negócio, que é sempre o que os filhos fazem: pedir dinheiro. Acham, talvez porque os pais não andem sempre com roupas novas nem a trocar de mobília, que o dinheiro procria nas suas mãos. Bom, mas ele não queria dinheiro, queria dar aquilo que ele considerava uma boa notícia.
Logo a seguir à morte do marido, soube que a neta engravidara do namorado…mas que desta vez era um namoro sério e a coisa ia para a frente. Ainda assim ficou de pé atrás, porque a neta estava desempregada, porque o negócio do filho já pouco lucro dava… Enfim, o pressentimento advindo da experiência dizia-lhe que aquilo não ia correr bem… para si.
Após revelar que fechara o restaurante, depressa tentara sossegar a mãe (que soltara um suspiro profundo do outro lado da linha) com a solução para todos os problemas da família. E cheio de boas intenções, Zé Manel anunciou, em menos de um minuto, que a solidão da mãe estava prestes a acabar. Ele e a mulher vinham viver com a mãe! E o gato persa também vinha. E claro, o fruto do amor deles, que esperava agora o fruto do seu próprio amor. E o namorado, pai do fruto.
Por esta altura já Maria Augusta começava a procurar uma cadeira para se sentar, dando voltas à cabeça, a pensar onde ia meter tanta gente. Mas o filho já tinha pensado em tudo.
Mãe, nós ficamos consigo e a Catarina e o João fazem uma casinha no quintal. Ele ajeita-se bem, sempre trabalhou nas obras, e há-de fazer uma coisa bonita. Faz-se a casa e ainda dá para semear umas coisinhas à volta e ter umas galinhas.
É, sempre foi e será, muito fácil fazer planos e pensar no presente e no futuro. Mas as pessoas esquecem-se sempre do passado e de como ele é importante. Sim, os pequenos segredos, aquelas coisas que fizemos e que…ninguém pode saber. Toda a gente tem um esqueleto no armário, pertença a um rato ou a uma mula, ele existe e está lá! E o armário de Maria Augusta não era excepção. Aliás, o esqueleto oculto por Maria Augusta era bem real e estava enterrado no quintal onde o namorado da neta, um moço muito habilidoso, ia fazer a casinha. 
(Continua...)

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