Maria
Augusta esvoaçava rua acima como uma borboleta negra… A bem dizer, naquela
manhã de inverno, parecia-se mais com uma traça velha e atarantada, acabada de
esbarrar numa lâmpada. E não era o peso da idade que lhe estava a retirar a
graça que sempre tivera a caminhar, mas sim o peso da preocupação.
Ficara
viúva há quatro meses e desde então os acontecimentos tinham sucedido em
catadupa. A morte do marido, aos oitenta anos, fora uma bênção de Deus. Depois
de uma década a cuidar dele (e sem uma única palavra de agradecimento, pois o
pobre perdera completamente a fala), Maria Augusta vira finalmente atendidas as
suas preces, chegando mesmo a acreditar que poderia agora gozar de algum
descanso.
Já
não ia para nova, setenta e nove anos pesavam! Mas com o dinheiro que tinha
poupado, cuidando ela própria do marido, aproveitaria melhor os anos que lhe
restavam. Começou a imaginar-se nas excursões em que vendem colchões
ortopédicos e poltronas de luxo, e nos almoços de convívio patrocinados pela
Câmara Municipal. Ir para aqui e para acolá sem ter que dar satisfações a
ninguém… ir ao Alqueva!
Tudo
isto pensara a pobre Maria Augusta e em apenas cinco minutos, duração de um
telefonema, todos os seus sonhos se transformaram em nada.
O
seu filho telefonara-lhe, três meses depois da morte do pai, para dizer que fechara
o restaurante. No início ainda pensou que ele ia pedir-lhe dinheiro para abrir
outro negócio, que é sempre o que os filhos fazem: pedir dinheiro. Acham, talvez
porque os pais não andem sempre com roupas novas nem a trocar de mobília, que o
dinheiro procria nas suas mãos. Bom, mas ele não queria dinheiro, queria dar
aquilo que ele considerava uma boa notícia.
Logo
a seguir à morte do marido, soube que a neta engravidara do namorado…mas que
desta vez era um namoro sério e a coisa ia para a frente. Ainda assim ficou de
pé atrás, porque a neta estava desempregada, porque o negócio do filho já pouco
lucro dava… Enfim, o pressentimento advindo da experiência dizia-lhe que aquilo
não ia correr bem… para si.
Após
revelar que fechara o restaurante, depressa tentara sossegar a mãe (que soltara
um suspiro profundo do outro lado da linha) com a solução para todos os
problemas da família. E cheio de boas intenções, Zé Manel anunciou, em menos de
um minuto, que a solidão da mãe estava prestes a acabar. Ele e a mulher vinham
viver com a mãe! E o gato persa também vinha. E claro, o fruto do amor deles,
que esperava agora o fruto do seu próprio amor. E o namorado, pai do fruto.
Por
esta altura já Maria Augusta começava a procurar uma cadeira para se sentar,
dando voltas à cabeça, a pensar onde ia meter tanta gente. Mas o filho já tinha
pensado em tudo.
Mãe, nós ficamos consigo e a
Catarina e o João fazem uma casinha no quintal. Ele ajeita-se bem, sempre
trabalhou nas obras, e há-de fazer uma coisa bonita. Faz-se a casa e ainda dá
para semear umas coisinhas à volta e ter umas galinhas.
É,
sempre foi e será, muito fácil fazer planos e pensar no presente e no futuro.
Mas as pessoas esquecem-se sempre do passado e de como ele é importante. Sim,
os pequenos segredos, aquelas coisas que fizemos e que…ninguém pode saber. Toda
a gente tem um esqueleto no armário, pertença a um rato ou a uma mula, ele
existe e está lá! E o armário de Maria Augusta não era excepção. Aliás, o
esqueleto oculto por Maria Augusta era bem real e estava enterrado no quintal onde
o namorado da neta, um moço muito habilidoso, ia fazer a casinha.
(Continua...)