Parece que encontraram no nordeste da Itália o esqueleto de uma criança híbrida, fruto do amor entre um Homo Sapiens uma Neandertal. Não é nada que me espante, aliás, sempre achei que muitos seres humanos tinham qualquer coisinha de Neandertal...
Pesquisei um pouco e parece que os europeus têm 4% do ADN de um Neandertal... Mas há cientistas que dizem que são semelhanças genéticas que podem ser explicadas de outra forma e que não houve cruzamento entre as espécies.
Eu acredito que houve...
Clotilde, uma robusta Neandertal de cabelos ruivos estava junto à fogueira, aquecendo as ideias.
Pensava em muitas coisas, especialmente em como sobreviveria comendo apenas aquele bocado de ave esquisita que o seu marido lhe deixara enfiada no gelo antes de desaparecer. Devia estar morto, pois claro, porque mais nenhuma outra o haveria de querer. Tinha os olhos a focar em direções opostas, o que lhe dificultava em muito as caçadas. Mas o estrabismo divergente não era tudo... haviam outras coisas, outras necessidades que ele não lhe satisfazia devido ao tamanho diminuto do seu membro.
Ali, junto à lareira, o pensamento de Clotilde divagava de tal maneira que outros apetites lhe surgiam em vez da fome. E foi então que apareceu Jacinto.
Jacinto estacou em frente dela, enorme, cheio de peles como uma mulher vinda dos anos 80, mas muito viril, cor de ébano. Clotilde começou por olhar-lhe para os pés e foi subindo até lá acima. Até me admirava - pensou para si, ao ver que Jacinto só tinha um olho. Mas um olho que visse bem sempre era melhor que dois que não se entendiam.
E foi nessa noite que começou uma história de amor. Jacinto tocou-lhe nos cabelos, Clotilde mordeu-o. Ele ficou encantado com o seu lado selvagem, ela achou que ele tinha algo especial. E pronto, primeiro foi junto à fogueira, depois foi dentro da cabana que o seu falecido marido construíra com tanta dificuldade. E foi, foi, foi, foi... toda a noite. E nas noites seguintes também.
Ele começou a ficar por ali mais tempo e faziam mais do que acasalar: caçavam, iam à pesca, fizeram um upgrade à cabana. Clotilde começou a aceitar os seus gestos de quase ternura sem o morder ou atacar com paus. Eram praticamente marido e mulher.
No entanto havia algo estranho, Jacinto por vezes ausentava-se e não regressava com caça. E ele era bom caçador! O sexto sentido de Clotilde começou a ficar alerta e depois de algum tempo sem saber que fazer, decidiu segui-lo. E viu.
Era uma pequena aldeia de Homo Sapiens. Jacinto andava lá no meio e parecia ser respeitado por todos. Parou junto de uma cabana de onde saíram dois espécimes mais velhos, um homem e uma mulher e, detrás do arbusto, Clotilde teve a certeza que eram os pais.
Com que então era isso. Ele tinha vergonha dela. Amava-a mas não estava disposto a apresenta-la como sua mulher! Só porque era de outra espécie? Mas eram assim tão diferentes? Isso não era amor e ele não a merecia, concluiu Clotilde imediatamente. E o seu cérebro grande decidiu o que fazer.
Andou os cerca de 50 km de regresso até à sua cabana e esperou pacientemente que ele regressasse, noite após noite. E quando regressou, ela matou-o. Deu-lhe uma mocada na cabeça e arrumou-se o assunto. E fez mais, arranjou a carne para ter o que comer nos próximos meses. Estava grávida e precisava de se alimentar e o seu amado sempre lhe parecera muito suculento. Depois, antes de dar à luz, tencionava procurar um aglomerado de Neandertais para viver com eles. Inventaria uma história sobre o facto de o companheiro ter morrido numa caçada. Era muito boa a inventar, embora não se conseguisse exprimir muito bem e se esquecesse logo das coisas.
É que...Clotilde sofria de um distúrbio que lhe afetava a memória, havia morto o marido estrábico mas não se lembrava. Estava farta dele e tinha-o afogado no rio, ele nunca soubera nadar muito bem. Na verdade havia morto mais gente....mas não se lembrava.
Enfim, não interessa. Clotilde era uma psicopata e deu à luz o primeiro bebé híbrido Sapiens-Neandertal da história. Foi muito feliz enquanto viveu e viveu sempre onde nasceu, em Itália. Continuou a matar. Chegou a controlar a recolha do lixo... há quem diga que foi a primeira mafiosa da história, há quem diga que nem existiu. Nunca saberemos!
© Comparação craniana entre Homo Sapiens e Neandertal (Wikicommons, Hairy Museum Matt).