28/10/2015

A força do Baixo Alentejo

Há momentos em que captamos a foto perfeita e este foi um deles:

  • Cartaz eleitoral "A força do Baixo Alentejo" 
  • Rendimento social de inserção
  • Pensão por invalidez 
  • Salário mínimo nacional
  • Infracção de transito/Ciclovia à direita



Quando a família regressa à terra... (parte 2 de 5)


Levou um mês a pensar naquilo e a fazer rezas para que o filho encontrasse um trabalho lá em Lisboa, e a preguiçosa da nora mexesse as pernas cheias de varizes para fazer alguma coisa, e a neta ganhasse no bingo. Mas sabia que Deus demorava em média dez anos para atender as suas preces. O filho não mudara de ideias e até a neta parecia entusiasmada com a vinda para o Alentejo. Explicara-lhe que a discoteca mais próxima ficava a trinta quilómetros, mas ela retorquira com carinho que isso não era importante, com o bebé não ia ter tempo para discotecas.
Assim percebeu que eles não iam voltar atrás na decisão, andavam mesmo a finalizar os preparativos para a mudança. Percebeu que estava na altura de fazer alguma coisa e naquela tarde foi até ao quintal com a enxada na mão, disposta a fazer o que precisava ser feito. Primeiro ficou a observar o quintal. Duas oliveiras, duas laranjeiras e uma romãzeira, que as mãos do seu pai haviam semeado. Os canteiros de pedras arrumadinhas, que na primavera deixavam brotar flores, o poço caiado, cuja água era usada na rega. Estava bonito o quintal, porque depois da morte do marido e de matar as galinhas que lhe davam demasiado trabalho, Maria Augusta dedicara-se a cuidar do espaço.
Era fácil encontrar definido o quadrado destinado à futura casa. Era um quadrado bastante grande, no centro do quintal, aonde antes semeavam batatas, alfaces, alhos, favas. E era nesse quadrado que tinha sido enterrado um homem há precisamente sessenta anos.
Passara muito tempo mas todos os dias eram encontradas ossadas seculares em escavações. Sessenta anos não fora tempo suficiente para consumir um corpo por completo, tinha que haver, algures por ali, restos daquele homem. E soltando um impo, Maria Augusta começou a cavar onde julgava ter enterrado o dito cujo.
Escusado será dizer que não encontrou nada e passou uma noite horrível cheia de dores nas costas, nas pernas e nos braços e nos dedos e em vários outros sítios que à primeira vista não estariam associados ao ato de pegar numa enxada. Talvez por isso, naquela manhã do dia seguinte, caminhasse como uma traça ataranta, talvez não fosse só o peso da preocupação!
Não se lembrava do sítio exato onde o enterrara. Tentara inclusive esquecer, para não pensar que as favas que tanto apreciava tinham crescido com tal adubo. E como não se lembrava, tinha que cavar o quintal todo. E como não tinha forças para tamanha empreitada, teria que pedir ajuda!
Com a ajuda das dores, manteve-se acordada a pensar na pessoa ideal para a ajudar na missão. Não podia deixar que o namorado da neta achasse o esqueleto, porque ia achá-lo de certeza mal começassem a fazer as fundações. Deus do céu, o que é que ele ia pensar?! Pior, se não estivesse sozinho, se mais alguém visse? E o filho, o que é que o filho ia pensar? Seria chantageada pela nora até ao fim dos seus dias… ou dos dela! E imagine-se que a neta e o namorado se desentendiam! E mesmo que todos decidissem manter o segredo, que era a decisão mais acertada e conveniente, não saberiam lidar com ele. Estavam tão felizes por recomeçar ali, junto de si. Não, não ia estragar tudo passando-lhes esse peso para cima. Nem ia arriscar-se a ir parar à cadeia com esta idade.

Pensara em todas as pessoas da aldeia, selecionara algumas e no final não existiram dúvidas: o único que podia ajudá-la era o primo Joaquim.