Levou
um mês a pensar naquilo e a fazer rezas para que o filho encontrasse um
trabalho lá em Lisboa, e a preguiçosa da nora mexesse as pernas cheias de
varizes para fazer alguma coisa, e a neta ganhasse no bingo. Mas sabia que Deus
demorava em média dez anos para atender as suas preces. O filho não mudara de
ideias e até a neta parecia entusiasmada com a vinda para o Alentejo.
Explicara-lhe que a discoteca mais próxima ficava a trinta quilómetros, mas ela
retorquira com carinho que isso não era importante, com o bebé não ia ter tempo
para discotecas.
Assim
percebeu que eles não iam voltar atrás na decisão, andavam mesmo a finalizar os
preparativos para a mudança. Percebeu que estava na altura de fazer alguma
coisa e naquela tarde foi até ao quintal com a enxada na mão, disposta a fazer
o que precisava ser feito. Primeiro ficou a observar o quintal. Duas oliveiras,
duas laranjeiras e uma romãzeira, que as mãos do seu pai haviam semeado. Os
canteiros de pedras arrumadinhas, que na primavera deixavam brotar flores, o
poço caiado, cuja água era usada na rega. Estava bonito o quintal, porque
depois da morte do marido e de matar as galinhas que lhe davam demasiado
trabalho, Maria Augusta dedicara-se a cuidar do espaço.
Era
fácil encontrar definido o quadrado destinado à futura casa. Era um quadrado
bastante grande, no centro do quintal, aonde antes semeavam batatas, alfaces,
alhos, favas. E era nesse quadrado que tinha sido enterrado um homem há
precisamente sessenta anos.
Passara
muito tempo mas todos os dias eram encontradas ossadas seculares em escavações.
Sessenta anos não fora tempo suficiente para consumir um corpo por completo,
tinha que haver, algures por ali, restos daquele homem. E soltando um impo,
Maria Augusta começou a cavar onde julgava ter enterrado o dito cujo.
Escusado
será dizer que não encontrou nada e passou uma noite horrível cheia de dores
nas costas, nas pernas e nos braços e nos dedos e em vários outros sítios que à
primeira vista não estariam associados ao ato de pegar numa enxada. Talvez por
isso, naquela manhã do dia seguinte, caminhasse como uma traça ataranta, talvez
não fosse só o peso da preocupação!
Não
se lembrava do sítio exato onde o enterrara. Tentara inclusive esquecer, para
não pensar que as favas que tanto apreciava tinham crescido com tal adubo. E
como não se lembrava, tinha que cavar o quintal todo. E como não tinha forças
para tamanha empreitada, teria que pedir ajuda!
Com
a ajuda das dores, manteve-se acordada a pensar na pessoa ideal para a ajudar
na missão. Não podia deixar que o namorado da neta achasse o esqueleto, porque
ia achá-lo de certeza mal começassem a fazer as fundações. Deus do céu, o que é
que ele ia pensar?! Pior, se não estivesse sozinho, se mais alguém visse? E o
filho, o que é que o filho ia pensar? Seria chantageada pela nora até ao fim
dos seus dias… ou dos dela! E imagine-se que a neta e o namorado se desentendiam!
E mesmo que todos decidissem manter o segredo, que era a decisão mais acertada
e conveniente, não saberiam lidar com ele. Estavam tão felizes por recomeçar
ali, junto de si. Não, não ia estragar tudo passando-lhes esse peso para cima. Nem
ia arriscar-se a ir parar à cadeia com esta idade.
Pensara
em todas as pessoas da aldeia, selecionara algumas e no final não existiram dúvidas:
o único que podia ajudá-la era o primo Joaquim.